EOCA - Entrevista Operativa Centrada na Aprendizagem
A Entrevista Operativa Centrada na Aprendizagem (EOCA) é um instrumento inspirado na psicologia social de Pichon-Rivière, nos postulados da psicanálise e no método clínico da escola de Genebra foi idealizado por Jorge Visca e é um instrumento de uso simples que avalia em uma entrevista a aprendizagem. (BOSSA, 2007.p.46)
Uma forma de primeira sessão diagnóstica é proposta por Jorge Visca (1987, p. 72) através da EOCA. "Em todo momento, a intenção é permitir ao sujeito construir a entrevista de maneira espontânea, porém dirigida de forma experimental. Interessa observar seus conhecimentos, atitudes, destrezas, mecanismos de defesas, ansiedades, áreas expressão da conduta, níveis de operatividade, mobilidade horizontal e vertical etc”. (Weiss apud Visca, 2007, p. 57).
As propostas a serem feitas na E.O.C.A, assim como o material a ser usado, vão variar de acordo com a idade e a escolaridade do paciente. O material comumente usado para criança é composto numa caixa a onde o paciente encontrará vários objetos, sendo alguns deles relacionados à aprendizagem, tais como, cola, tesoura, papel sulfite branco e colorido, papel crepom e seda, coleção, cola colorida, livros de leituras, revistas para recorte e colagem e diversos outros materiais.
O objetivo da caixa é dar ao paciente a oportunidade de explorá-la enquanto o psicopedagogo o observa, nesse momento serão observados alguns aspectos da criança como: a sua reação, organização, apropriação, imaginação, criatividade, preparação, regras utilizadas, etc.
De um modo geral, usam-se propostas do tipo: “Gostaria que você me mostrasse o que sabe fazer, o que lhe ensinaram e o que você aprendeu”, “Esse material é para que você o use como quiser”, “Você já me mostrou como lê e desenha, agora eu gostaria que você me mostrasse outra coisa”.
Durante a realização da sessão, é necessário observar três aspectos:
• A temática, que envolverá o significado do conteúdo das atividades em seu aspecto manifesto e late
• A dinâmica, que é expressa através da postura corporal, gestos, tom de voz, modo de sentar, e manipular os objetos etc.;
• O produto feito pelo paciente, que será a escrita, o desenho, as contas, a leitura etc., permitindo assim uma primeira avaliação do nível pedagógico.
A partir da análise desses três aspectos, o autor propõe que se trace o primeiro sistema de hipóteses para continuação do diagnóstico.
REFERÊCIA:
WEISS, Maria Lúcia Lemme. Psicopedagogia Clínica – Uma visão diagnóstica dos problemas de aprendizagem escolar. 13 ed. Ver. E aml: RJ Lamparina.2003.
Fonte: http://psicopedagogiaeducacao.blogspot.com/2009/09/entrevista-operativa-centrada-na.html
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O USO DE JOGOS DE REGRAS NO ATENDIMENTO PSICOPEDAGÓGICO
Autores: Eliane Cawahisa; Geiva Calsa; Ivonilce Gallo; Luciana Lacanallo
Introdução
Em decorrência do baixo desempenho dos alunos nas escolas, uma quantidade cada vez maior de crianças tem chegado aos consultórios de psicopedagogia apresentando dificuldades de aprendizagem em matemática. Tanto na atuação clínica psicopedagógica quanto na atuação escolar faz-se necessário um atendimento especializado nesta área de conhecimento.
O desempenho que os alunos vêm demonstrando, sem dúvida, justifica o desenvolvimento de uma metodologia de trabalho capaz de promover uma aprendizagem significativa dos conceitos e procedimentos matemáticos, em particular, nas primeiras séries do ensino fundamental. Com o objetivo de contribuir para o desenvolvimento de uma aprendizagem significativa, este artigo visa apresentar uma experiência de uso de jogos de regras na construção do conhecimento matemático.
Embora desenvolvida no âmbito clínico psicopedagógico considera-se oportuna sua ampliação para o meio escolar regular, desde que atendidos os princípios teóricos e os critérios metodológicos de desenvolvimento da atividade. O jogo da velha e o bafo foram os jogos convencionais escolhidos como instrumentos terapêuticos da experiência aqui relatada.
Os Jogos sob um Enfoque Psicopedagógico
A brincadeira e o jogo constituem-se uma necessidade humana e, segundo Kishimoto (2000), interferem diretamente no desenvolvimento da imaginação, da representação simbólica, da cognição, dos sentimentos, do prazer, das relações, da convivência, da criatividade, do movimento e da auto-imagem dos indivíduos. Muitos educadores desvalorizam a brincadeira acreditando que o mais importante na escola é aprender a ler e escrever.
Não levam em conta que todo o desenvolvimento que a brincadeira traz para os indivíduos é pré-requisito para a alfabetização. Vygotsky (1996) afirma que a brincadeira simbólica e o jogo formam uma zona de desenvolvimento proximal que pode se constituir o ponto de partida para aprendizagens formais.
Segundo Piaget (1975), por meio do jogo a criança assimila o mundo para atender seus desejos e fantasias. O jogo segue uma evolução que se inicia com os exercícios funcionais, continua no desenvolvimento dos jogos simbólicos, evolui no sentido dos jogos de construção para se aproximar, gradativamente, dos jogos de regras, que dão origem à lógica operatória.
Segundo o autor, nos jogos de regras existe algo mais que a simples diversão e interação, pois, eles revelam uma lógica diferente da racional. Este tipo de jogo revela uma lógica própria da subjetividade tão necessária para a estruturação da personalidade humana quanto a lógica formal, advinda das estruturas cognitivas. Para Gonçalves (1999), os jogos de regras podem ser considerados o coroamento das transformações a que criança chega quando atinge a reversibilidade do pensamento.
Ao tentar resolver os problemas originados no desenvolvimento do jogo, o sujeito cria estratégias e as avalia em função dos resultados obtidos e das metas a alcançar na atividade. Os fracassos decorrentes destas ações originam conflitos ou contradições por parte do indivíduo e desencadeiam mecanismos de equilibração cognitiva (Brenelli, 1996).
As regulações ativas geradas por este processo implicam decisões deliberadas dos indivíduos que originam novos procedimentos de jogo. Apresentam um caráter construtivo e por meio delas a retomada de uma ação é sempre modificada pelos resultados da ação anterior em um processo contínuo de modificação das ações seguintes, em função dos resultados das ações precedentes (MACEDO, 1994).
Brenelli (1996) assinala que conhecer os meios empregados para alcançar o objetivo do jogo, bem como conhecer as razões desta escolha ou de sua modificação, implica uma reconstrução no plano da representação do que era dominado pelo sujeito como ação.
O processo de tomada de consciência pode ser favorecido, dessa maneira, pela verbalização dos procedimentos de jogo. Sob uma ótica construtivista a verbalização envolve explicações sobre o que, como e porque os sujeitos executaram seus procedimentos. A utilização da fala organizada é capaz de favorecer a compreensão dos conceitos e procedimentos contidos nas situaçõesproblema enfrentadas pelos sujeitos.
Em uma intervenção de caráter psicopedagógico, o educador deve equilibrar uma atuação mais e menos diretiva, conforme o tipo de tarefa a ser realizada pelos sujeitos. Nas tarefas verbais sua atuação pode ser mais diretiva, pois, tem como objetivo organizar a situação de aprendizagem e solicitar a re-interpretação das ações e das falas dos sujeitos; nas tarefas práticas pode ser menos diretiva, pois, seu objetivo é o de apenas orientar a ação a ser efetivamente realizada pelo sujeito (CALSA, 2002).
Do ponto de vista psicopedagógico, o processo de aprendizagem envolve não somente a fala do sujeito que aprende, mas também a fala de quem ensina. Ao “pensar em voz alta” suas estratégias de ação o educador atua como modelo de reflexão para o sujeito. Utilizados tradicionalmente como recursos clínicos (VISCA, 1987), a fala organizada e o uso do modelo têm obtido na escola resultados satisfatórios no ensino de diferentes áreas de conhecimento (SOLÉ, 1998; ZUNINO, 1995; CALSA, 2002).
A utilização do jogo de regras como um recurso terapêutico ou escolar, seja por parte do psicopedagogo ou do educador, exige conhecimento de sua estrutura e clareza dos objetivos a serem atingidos. Macedo (1997) lembra que ao se propor um jogo é preciso ter em mente o porquê de jogar, o que jogar, para quem, com que recursos, de que modo jogar, quando e durante quanto tempo jogar, e qual a continuidade desta atividade ao final de seu desenvolvimento.
Desenvolvimento das Intervenções Psicopedagógicas
Foram escolhidos como sujeitos da intervenção duas crianças que procuraram atendimento clínico psicopedagógico com dificuldades de aprendizagem na área de matemática.
As crianças freqüentavam a 3a. e 4a. série do ensino fundamental e apresentavam uma faixa etária entre 9 e 11 anos de idade. Os dados obtidos nas sessões de atendimento psicopedagógico foram registrados por escrito pelos terapeutas Elaboraram-se os registros após cada sessão em que os jogos de regras foram utilizados. As sessões foram realizadas individualmente com duração de 50 minutos cada uma. A quantidade de sessões e sua periodicidade foram determinadas pelo interesse dos sujeitos no desenvolvimento dos jogos.
Durante o jogo se um jogador não conseguisse virar todas as fichas ou deixasse uma ou mais, a vez seria do próximo participante. Se o jogador não possuísse a soma determinada pelo seu adversário para fazer a aposta, o valor que não possuído seria descontado da sua soma de pontos (os resultados parciais devem ser anotados).
Se um dos jogadores possuísse uma única carta com o valor superior à aposta feita pelo adversário, ele poderia tentar trocá-la por fichas que representassem essa quantidade. Caso um dos jogadores não tivesse mais o valor para cobrir à aposta determinada pelo adversário ele ficaria com saldo negativo que deveria ser pago no próximo jogo (o registro do saldo negativo foi feito com anotações convencionais, por exemplo - 4 pontos). Seria considerado vencedor quem conseguisse a maior soma no final da partida.
Durante o processo de intervenção psicopedagógica os jogos de regras foram desenvolvidos respeitando-se sua natureza (estrutura interna), seus aspectos cognitivos, afetivos e sociais. Num primeiro momento, optouse pelo ensino e desenvolvimento do jogo, conforme seus materiais e regras convencionais. Após esta aprendizagem novos elementos (numerais e operações) e regras foram introduzidos de acordo com as dificuldades de aprendizagem de matemática a serem atendidas em cada caso.
Resultados
Para a apresentação do jogo do bafo optou-se pelo relato do caso clínico de J. P. (denominação fictícia). As queixas da escola e da família quanto ao seu desempenho se concentravam nos seguintes aspectos: não realizava cálculos mentais; demonstrava possuir recursos intelectuais para realizar as tarefas de matemática, mas não os utilizava; realizava tarefas escolares, sem contudo dispor-se a refazê-las, no caso de estarem incorretas. Para facilitar o acompanhamento das condutas de J. P. optou-se por dividir suas respostas em etapas que permitem a percepção de seu crescimento tanto em relação às estratégias de resolução quanto aos conteúdos de matemática propriamente ditos. Os relatos dos jogos do bafo e da velha iniciam-se a partir da introdução de novos elementos e regras à sua estrutura convencional para o atendimento das dificuldades específicas de cada um dos sujeitos em foco.
Na fase inicial de desenvolvimento do jogo do bafo já com a introdução de conteúdos matemáticos J. P. se preocupava apenas em virar as figuras o mais precisamente possível sem se importar com a soma dos numerais presentes em cada uma das fichas. Ele parecia estar associando as fichas que utilizava neste jogo com as do jogo convencional, em que o valor de cada ficha era definido pela força de seu personagem. Ao poupar as fichas de maior valor - superiores a seis - demonstrava preocupação com a quantidade de cartas de que dispunha no jogo. Jogava o bafo seguindo os procedimentos do jogo convencional sem se dar conta das novas estratégias originadas da introdução de numerais nas fichas.
Em um segundo momento, J. P. começou a perceber que podia superar a terapeuta na sua agilidade de virar as fichas, mas ainda assim não era capaz de ganhar o jogo. Enquanto apostava fichas de valor baixo (1e2) a terapeuta apostava fichas de valor maior que as absorviam. Suas apostas baixas permitiam à terapeuta ganhar o jogo virando as fichas de maior valor em que havia apostado. Nesta etapa a soma de pontos de J. P. era sempre menor que a da terapeuta embora possuísse uma maior quantidade de fichas que ela.
O terceiro momento do jogo do bafo caracterizou-se pela percepção de J. P. de que a soma dos pontos de suas fichas o estava impedindo de ganhar o jogo. Começou então a jogar tentando alcançar a maior soma de pontos em cada virada. Para tanto, passou a apostar com suas fichas de maior valor. A cada partida examinava as fichas que possuía, verificava as que havia perdido e organizava uma estratégia capaz de promover o saldo negativo para a terapeuta.
No quarto e último momento de sua evolução no jogo J. P. passou a apostar o maior número de fichas possível e, de preferência, as de maior valor. Tornou-se capaz de levar em conta em sua estratégia de jogo as duas variáveis ao mesmo tempo: quantidade de fichas e valor de cada ficha apostada. A partir deste momento, preocupa-se em ganhar o máximo de fichas e, ao mesmo tempo, atingir a maior soma possível de pontos.
Para o desenvolvimento do jogo da velha escolheu-se o caso clínico de F. P. (denominação fictícia). A queixa escolar e familiar de seu desempenho concentrava-se nos seguintes pontos: não compreendia o significado dos sinais das quatro operações básicas; não se mostrava capaz de utilizar e compreender os algoritmos convencionais de adição e subtração; encontrava-se na fase inicial de construção do esquema multiplicativo e parecia ainda não ter avançado na construção do esquema aditivo; ainda utilizava algoritmos intuitivos e representação icônica tanto na adição quanto na subtração.
Da mesma forma que no caso anterior, o relato das estratégias envolvidas no jogo da velha se inicia a partir da introdução de elementos e regras relacionadas ao conteúdo matemático no qual o sujeito apresentava dificuldades de aprendizagem. Após esta aprendizagem novos materiais (algarismos) e regras foram introduzidos de acordo com as dificuldades de aprendizagem a serem atendidas no transcorrer do tratamento.
No primeiro momento de atuação com o jogo da velha F. P. mostrou levar em conta apenas os atributos espaciais do tabuleiro sem se ater ao outro atributo, indispensável para a vitória - a soma dos algarismos.
Durante esta fase fixava-se apenas uma das dimensões espaciais do jogo: a diagonal. Utilizava sempre a mesma seqüência de colocação de suas fichas sobre o tabuleiro. Costumava iniciar as partidas colocando suas fichas em primeiro lugar sobre o canto inferior esquerdo do tabuleiro, em seguida no centro, e, no final, no quadro central superior. Sua contagem mostrava-se truncada e sempre acompanhada pelos dedos das mãos. Neste momento, a organização de suas ações parecia não levar em consideração as estratégias utilizadas pelo adversário.
No segundo momento do uso do jogo da velha F. P. começou a organizar sua ação a partir da dimensão numérica do jogo, embora persistisse sua preferência pela dimensão espacial do tabuleiro. Manteve sua fixação em apenas uma de suas dimensões espaciais, a diagonal, e sua estratégia de jogo quanto à posição das fichas no tabuleiro, ainda sem levar em conta os movimentos do adversário. Em uma das partidas desta fase, acabou por ganhar o jogo, mas suas ações não se constituíram reações ou antecipações aos movimentos do adversário e, sim, a repetição de uma seqüência de passos previamente testados. Ainda nesta fase, a escolha das fichas a serem colocadas no tabuleiro foi aleatória, pois, ignorou a dimensão numérica do jogo. Ao vencer a partida não somente quanto à posição das fichas, mas também na contagem de seus pontos deu-se conta da importância do número da ficha utilizada em sua última jogada. Sua contagem continuou truncada e acompanhada dos dedos das mãos.
Na terceira fase do atendimento com uso do jogo da velha F. P. manifestou um grande avanço na elaboração e execução de suas estratégias de jogo. Passou a preocupar-se com as duas dimensões envolvidas no jogo: espacial e numérica e começou a perceber mais claramente as razões das vitórias consecutivas de seu adversário.
Apresentou uma pequena variação em sua estratégia de jogo. Iniciou uma das partidas desta fase do mesmo modo que as anteriores, mas acrescentou mais uma posição à sua finalização: o canto superior direito do tabuleiro. Sua opção por uma ou outra posição da ficha no final do jogo passa a depender dos movimentos do adversário.
Esta opção caracteriza-se como uma reação ao movimento do adversário e, portanto, posterior a este.
Nesta partida, em suas duas primeiras jogadas optou novamente por fichas com números baixos, mas ao final percebeu que, embora tenha vencido quanto à posição das fichas no tabuleiro perdeu em sua contagem de pontos. Deu-se conta de que a diferença de pontos obtidos na partida foi conseqüência das fichas escolhidas pelos dois jogadores. A partir daí passou a observar as quantidades presentes nas fichas utilizadas pelo terapeuta, bem como a seqüência em que foram jogadas. Sua contagem ainda permaneceu truncada e acompanhada dos dedos das mãos.
Na última etapa do jogo da velha F.P. modificou suas estratégias de jogo e passou a utilizar cartas com números maiores em pontos estratégicos do tabuleiro. As estratégias do adversário tornaram-se modelos de ação. Passou a utilizar fichas de maior valor desde as primeiras jogadas de cada partida e, ao mesmo tempo, a apresentar um maior conjunto de variações das posições das fichas no tabuleiro. As jogadas eram iniciadas e finalizadas em diferentes posições do tabuleiro, pois, a estratégia de jogo era organizada não somente como reação aos movimentos do adversário, mas também como antecipação a eles.
Em uma das partidas desta fase o sujeito iniciou o jogo no canto superior direito, seguiu para o canto superior esquerdo e previu a possibilidade de vencer fechando uma seqüência na lateral esquerda do tabuleiro. Para isto, ignorou a ficha colocada pelo adversário no quadro central do tabuleiro e jogou sua ficha na posição central esquerda e, logo após, venceu o jogo fechando uma seqüência no canto inferior esquerdo.
Ao vencer a partida confirmou sua previsão quanto à melhor estratégia adotada nesta situação.
Nos dois casos relatados os sujeitos modificaram suas estratégias de jogo tornando-as operatórias. As estratégias utilizadas no início do desenvolvimento dos dois jogos caracterizaram-se pela preocupação com apenas uma das variáveis envolvidas na atividade de cada vez.
Ao longo do processo de evolução de suas estratégias os sujeitos privilegiaram a cada momento apenas uma das dimensões do jogo. No jogo da velha, no primeiro e segundo momento, F. P. levou em conta apenas sua dimensão espacial para, no terceiro momento, priorizar sua dimensão numérica, e apenas no último momento, levar em conta as duas dimensões ao mesmo tempo. No jogo do bafo, no primeiro e segundo momento, J.P. levou em conta apenas a quantidade de fichas viradas para, no terceiro momento, priorizar a soma dos numerais contidos nas fichas, e apenas no último momento, levar em conta as duas dimensões ao mesmo tempo: quantidadede fichas apostadas e viradas e soma dos numerais contidos nas fichas.
Conclusões
Os resultados do experimento evidenciam os progressos obtidos pelos sujeitos submetidos à abordagem psicopedagógica dos conteúdos matemáticos e dos jogos convencionais escolhidos, bafo e jogo da velha.
Nos dois casos relatados, constatou-se evolução de suas estratégias de jogo e de seus conhecimentos sobre as operações de adição e subtração.
As estratégias iniciais dos dois jogadores demonstravam umaconduta indiferente aos elementos matemáticos introduzidos nos jogos e organizavam suas jogadas, conforme os procedimentos convencionalmente utilizados nos dois jogos.
No jogo do bafo J.P. preocupava-se apenas em virar as figuras o mais rápido possível, enquanto no jogo da velha F.P. fixava-se em uma das dimensões espaciais do tabuleiro, a diagonal.
Ao lidar com apenas uma das duas dimensões implicadas nos jogos os sujeitos evidenciaram uma conduta não operatória, embora a tivessem manifestado em outras situações1.
Em uma etapa posterior os dois jogadores passaram a levar em conta a dimensão numérica dos dois jogos abandonando temporariamente a dimensão espacial. A utilização da dimensão numérica nos jogos, embora de maneira restrita, sugere a manutenção de sua conduta não operatória.
A última etapa de evolução das estratégias de jogo dos sujeitos representou a utilização de diferentes variáveis contidas tanto na dimensão numérica dos jogos – no jogo do bafo quantidade de fichas, valor de cada uma e sua soma, e no jogo da velha o valor de cada ficha e sua soma, quanto em sua dimensão espacial – no jogo da velha a posição diagonal, horizontal e vertical das fichas.
Em provas piagetianas aplicadas aos dois sujeitos observou-se a manifestação do estágio de pensamento operatório concreto.
O novo comportamento introduzido nos dois jogos evidenciou uma conduta operatória nos procedimentos dos dois jogadores. Ao beneficiar-se de sua operatoriedade na organização das estratégias de jogo os sujeitos indicaram ter sido capazes de utilizar adequadamente seus recursos cognitivos. A ativação pertinente dos recursos cognitivos disponíveis em seu sistema cognitivo é um dos indicadores, segundo Perrenoud (1999), do desenvolvimento de competências por parte dos indivíduos.
Os progressos obtidos pelos dois jogadores ao longo do experimento demonstram a importância da abordagem psicopedagógica da matemática e dos jogos convencionais para a melhoria do desempenho dos sujeitos nas duas áreas. Além de modificar suas estratégias de jogo, os sujeitos modificaram suas estratégias de soma das quantidades contidas nas fichas de jogo e dos pontos obtidos nas partidas.
Ambos deixaram de realizar esta operação por meio da contagem dos dedos e passaram a efetuá-la por meio do cálculo mental. Tais resultados confirmam os obtidos em estudos anteriores por Brenelli (1996) e Calsa (2002).
Brenelli (1996) observou que a abordagem psicopedagógica dos jogos de regras favorece o desenvolvimento das estruturas cognitivas, pois, permite que o sujeito realize descentrações e coordenações de pontos de vista, bem como, o desencadeamento de regulações ativas no processo de escolha de procedimentos adequados ao alcance dos objetivos do jogo.
Em seu estudo, realizado com crianças de faixa etária equivalente ao deste relato, a autora constatou que ao modificar sua maneira de jogar a criança mostra que foi capaz de compensar as perturbações provocadas pelo jogo, na tentativa de se acomodar às suas exigências. Dessa perspectiva, podese afirmar que por meio do jogo o sujeito exercitou suas funções intelectuais de assimilação e acomodação, fatores, em parte, responsáveis pelo desenvolvimento cognitivo dos sujeitos.
Calsa (2002), em outro estudo com faixa etária equivalente ao desta pesquisa, concluiu que a abordagem psicopedagógica de conteúdos matemáticos é capaz de melhorar o desempenho de alunos com rendimento insatisfatório nesta matéria. Durante o processo de intervenção os alunos apresentaram um movimento de retomada de formas mais primitivas de resolução de tarefas para, ao longo do processo, chegar até formas mais avançadas e compatíveis com sua faixa etária.
Finalizando, é importante assinalar que os resultados da experiência relatada neste artigo mostram a importância de intervenções de caráter psicopedagógico para a modificação do modelo de aprendizagem dos indivíduos em situação terapêutica, e sugerem sua viabilidade em situação escolar para a melhoria da aprendizagem de seus alunos.
Referências
ANTUNHA, E. Jogos sazonais: coadjuvantes do amadurecimento das funções cerebrais. In: OLIVEIRA, V. Brincar e a criança do nascimento aos seis anos. Rio de Janeiro: Vozes, 2000. p.33-56.49
BRENELLI, R. P. O jogo como espaço para jogar. Campinas: Papirus, 1996.
BENCINI, R. e GENTILE, P. Para aprender (e desenvolver) competências. Revista Pátio, São Paulo, n.135, ano 15, p.12-17, 2000.
BOSSA, N. A psicopedagogia no Brasil: contribuições a partir da prática. Porto Alegre: Artes Médicas, 1994.
CALSA, G. C. Intervenção psicopedagógica e problemas aritméticos no ensino fundamental. Tese de doutorado: Universidade Estadual de Campinas, 2002. 285p.
GONÇALVES, J. E. Jogos: como e porque utilizá-los na escola! Disponível em: . 1999.
KISHIMOTO, T. M. Jogo, brinquedo, brincadeira e a educação. São Paulo: Cortez, 2000.
MACEDO, L. Ensaios construtivistas. São Paulo: Casa do Psicólogo, 1994.
MACEDO, L. Quatro cores, senha e dominó. São Paulo: Casa do Psicólogo, 1997.
MACEDO, L. Aprender com jogos e situações-problema. Porto Alegre: Artes Médicas, 2000.
PERRENOUD, P. Construir competências é virar as costas aos saberes? Revista Pátio, São Paulo, n.11, ano 3, p.15-19, 1999.
PIAGET, J. O desenvolvimento do pensamento: equilibração das estruturas cognitivas. Lisboa: Publicações Dom Quixote, 1977.
PIAGET, J. A formação do símbolo na criança. Rio de Janeiro: Zahar, 1975.
SMOLE S.; DINIZ, M.; CÂNDIDO, P. Brincadeiras infantis nas aulas de matemática. Porto Alegre: Artes Médicas, 2000.
TOMAZINHO, R. As atividades e brincadeiras corporais na pré-escola: um olhar reflexivo. Dissertação de Mestrado. Universidade Presbiteriana Mackenzie, SãoPaulo, 2002.
VISCA, J. Clínica Psicopedagógica. Epistemologia convergente. Porto Alegre: Artes Médicas, 1987
A Entrevista Operativa Centrada na Aprendizagem (EOCA) é um instrumento inspirado na psicologia social de Pichon-Rivière, nos postulados da psicanálise e no método clínico da escola de Genebra foi idealizado por Jorge Visca e é um instrumento de uso simples que avalia em uma entrevista a aprendizagem. (BOSSA, 2007.p.46)
Uma forma de primeira sessão diagnóstica é proposta por Jorge Visca (1987, p. 72) através da EOCA. "Em todo momento, a intenção é permitir ao sujeito construir a entrevista de maneira espontânea, porém dirigida de forma experimental. Interessa observar seus conhecimentos, atitudes, destrezas, mecanismos de defesas, ansiedades, áreas expressão da conduta, níveis de operatividade, mobilidade horizontal e vertical etc”. (Weiss apud Visca, 2007, p. 57).
As propostas a serem feitas na E.O.C.A, assim como o material a ser usado, vão variar de acordo com a idade e a escolaridade do paciente. O material comumente usado para criança é composto numa caixa a onde o paciente encontrará vários objetos, sendo alguns deles relacionados à aprendizagem, tais como, cola, tesoura, papel sulfite branco e colorido, papel crepom e seda, coleção, cola colorida, livros de leituras, revistas para recorte e colagem e diversos outros materiais.
O objetivo da caixa é dar ao paciente a oportunidade de explorá-la enquanto o psicopedagogo o observa, nesse momento serão observados alguns aspectos da criança como: a sua reação, organização, apropriação, imaginação, criatividade, preparação, regras utilizadas, etc.
De um modo geral, usam-se propostas do tipo: “Gostaria que você me mostrasse o que sabe fazer, o que lhe ensinaram e o que você aprendeu”, “Esse material é para que você o use como quiser”, “Você já me mostrou como lê e desenha, agora eu gostaria que você me mostrasse outra coisa”.
Durante a realização da sessão, é necessário observar três aspectos:
• A temática, que envolverá o significado do conteúdo das atividades em seu aspecto manifesto e late
• A dinâmica, que é expressa através da postura corporal, gestos, tom de voz, modo de sentar, e manipular os objetos etc.;
• O produto feito pelo paciente, que será a escrita, o desenho, as contas, a leitura etc., permitindo assim uma primeira avaliação do nível pedagógico.
A partir da análise desses três aspectos, o autor propõe que se trace o primeiro sistema de hipóteses para continuação do diagnóstico.
REFERÊCIA:
WEISS, Maria Lúcia Lemme. Psicopedagogia Clínica – Uma visão diagnóstica dos problemas de aprendizagem escolar. 13 ed. Ver. E aml: RJ Lamparina.2003.
Fonte: http://psicopedagogiaeducacao.blogspot.com/2009/09/entrevista-operativa-centrada-na.html
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O USO DE JOGOS DE REGRAS NO ATENDIMENTO PSICOPEDAGÓGICO
Autores: Eliane Cawahisa; Geiva Calsa; Ivonilce Gallo; Luciana Lacanallo
Introdução
Em decorrência do baixo desempenho dos alunos nas escolas, uma quantidade cada vez maior de crianças tem chegado aos consultórios de psicopedagogia apresentando dificuldades de aprendizagem em matemática. Tanto na atuação clínica psicopedagógica quanto na atuação escolar faz-se necessário um atendimento especializado nesta área de conhecimento.
O desempenho que os alunos vêm demonstrando, sem dúvida, justifica o desenvolvimento de uma metodologia de trabalho capaz de promover uma aprendizagem significativa dos conceitos e procedimentos matemáticos, em particular, nas primeiras séries do ensino fundamental. Com o objetivo de contribuir para o desenvolvimento de uma aprendizagem significativa, este artigo visa apresentar uma experiência de uso de jogos de regras na construção do conhecimento matemático.
Embora desenvolvida no âmbito clínico psicopedagógico considera-se oportuna sua ampliação para o meio escolar regular, desde que atendidos os princípios teóricos e os critérios metodológicos de desenvolvimento da atividade. O jogo da velha e o bafo foram os jogos convencionais escolhidos como instrumentos terapêuticos da experiência aqui relatada.
Os Jogos sob um Enfoque Psicopedagógico
A brincadeira e o jogo constituem-se uma necessidade humana e, segundo Kishimoto (2000), interferem diretamente no desenvolvimento da imaginação, da representação simbólica, da cognição, dos sentimentos, do prazer, das relações, da convivência, da criatividade, do movimento e da auto-imagem dos indivíduos. Muitos educadores desvalorizam a brincadeira acreditando que o mais importante na escola é aprender a ler e escrever.
Não levam em conta que todo o desenvolvimento que a brincadeira traz para os indivíduos é pré-requisito para a alfabetização. Vygotsky (1996) afirma que a brincadeira simbólica e o jogo formam uma zona de desenvolvimento proximal que pode se constituir o ponto de partida para aprendizagens formais.
Segundo Piaget (1975), por meio do jogo a criança assimila o mundo para atender seus desejos e fantasias. O jogo segue uma evolução que se inicia com os exercícios funcionais, continua no desenvolvimento dos jogos simbólicos, evolui no sentido dos jogos de construção para se aproximar, gradativamente, dos jogos de regras, que dão origem à lógica operatória.
Segundo o autor, nos jogos de regras existe algo mais que a simples diversão e interação, pois, eles revelam uma lógica diferente da racional. Este tipo de jogo revela uma lógica própria da subjetividade tão necessária para a estruturação da personalidade humana quanto a lógica formal, advinda das estruturas cognitivas. Para Gonçalves (1999), os jogos de regras podem ser considerados o coroamento das transformações a que criança chega quando atinge a reversibilidade do pensamento.
Ao tentar resolver os problemas originados no desenvolvimento do jogo, o sujeito cria estratégias e as avalia em função dos resultados obtidos e das metas a alcançar na atividade. Os fracassos decorrentes destas ações originam conflitos ou contradições por parte do indivíduo e desencadeiam mecanismos de equilibração cognitiva (Brenelli, 1996).
As regulações ativas geradas por este processo implicam decisões deliberadas dos indivíduos que originam novos procedimentos de jogo. Apresentam um caráter construtivo e por meio delas a retomada de uma ação é sempre modificada pelos resultados da ação anterior em um processo contínuo de modificação das ações seguintes, em função dos resultados das ações precedentes (MACEDO, 1994).
Brenelli (1996) assinala que conhecer os meios empregados para alcançar o objetivo do jogo, bem como conhecer as razões desta escolha ou de sua modificação, implica uma reconstrução no plano da representação do que era dominado pelo sujeito como ação.
O processo de tomada de consciência pode ser favorecido, dessa maneira, pela verbalização dos procedimentos de jogo. Sob uma ótica construtivista a verbalização envolve explicações sobre o que, como e porque os sujeitos executaram seus procedimentos. A utilização da fala organizada é capaz de favorecer a compreensão dos conceitos e procedimentos contidos nas situaçõesproblema enfrentadas pelos sujeitos.
Em uma intervenção de caráter psicopedagógico, o educador deve equilibrar uma atuação mais e menos diretiva, conforme o tipo de tarefa a ser realizada pelos sujeitos. Nas tarefas verbais sua atuação pode ser mais diretiva, pois, tem como objetivo organizar a situação de aprendizagem e solicitar a re-interpretação das ações e das falas dos sujeitos; nas tarefas práticas pode ser menos diretiva, pois, seu objetivo é o de apenas orientar a ação a ser efetivamente realizada pelo sujeito (CALSA, 2002).
Do ponto de vista psicopedagógico, o processo de aprendizagem envolve não somente a fala do sujeito que aprende, mas também a fala de quem ensina. Ao “pensar em voz alta” suas estratégias de ação o educador atua como modelo de reflexão para o sujeito. Utilizados tradicionalmente como recursos clínicos (VISCA, 1987), a fala organizada e o uso do modelo têm obtido na escola resultados satisfatórios no ensino de diferentes áreas de conhecimento (SOLÉ, 1998; ZUNINO, 1995; CALSA, 2002).
A utilização do jogo de regras como um recurso terapêutico ou escolar, seja por parte do psicopedagogo ou do educador, exige conhecimento de sua estrutura e clareza dos objetivos a serem atingidos. Macedo (1997) lembra que ao se propor um jogo é preciso ter em mente o porquê de jogar, o que jogar, para quem, com que recursos, de que modo jogar, quando e durante quanto tempo jogar, e qual a continuidade desta atividade ao final de seu desenvolvimento.
Desenvolvimento das Intervenções Psicopedagógicas
Foram escolhidos como sujeitos da intervenção duas crianças que procuraram atendimento clínico psicopedagógico com dificuldades de aprendizagem na área de matemática.
As crianças freqüentavam a 3a. e 4a. série do ensino fundamental e apresentavam uma faixa etária entre 9 e 11 anos de idade. Os dados obtidos nas sessões de atendimento psicopedagógico foram registrados por escrito pelos terapeutas Elaboraram-se os registros após cada sessão em que os jogos de regras foram utilizados. As sessões foram realizadas individualmente com duração de 50 minutos cada uma. A quantidade de sessões e sua periodicidade foram determinadas pelo interesse dos sujeitos no desenvolvimento dos jogos.
Durante o jogo se um jogador não conseguisse virar todas as fichas ou deixasse uma ou mais, a vez seria do próximo participante. Se o jogador não possuísse a soma determinada pelo seu adversário para fazer a aposta, o valor que não possuído seria descontado da sua soma de pontos (os resultados parciais devem ser anotados).
Se um dos jogadores possuísse uma única carta com o valor superior à aposta feita pelo adversário, ele poderia tentar trocá-la por fichas que representassem essa quantidade. Caso um dos jogadores não tivesse mais o valor para cobrir à aposta determinada pelo adversário ele ficaria com saldo negativo que deveria ser pago no próximo jogo (o registro do saldo negativo foi feito com anotações convencionais, por exemplo - 4 pontos). Seria considerado vencedor quem conseguisse a maior soma no final da partida.
Durante o processo de intervenção psicopedagógica os jogos de regras foram desenvolvidos respeitando-se sua natureza (estrutura interna), seus aspectos cognitivos, afetivos e sociais. Num primeiro momento, optouse pelo ensino e desenvolvimento do jogo, conforme seus materiais e regras convencionais. Após esta aprendizagem novos elementos (numerais e operações) e regras foram introduzidos de acordo com as dificuldades de aprendizagem de matemática a serem atendidas em cada caso.
Resultados
Para a apresentação do jogo do bafo optou-se pelo relato do caso clínico de J. P. (denominação fictícia). As queixas da escola e da família quanto ao seu desempenho se concentravam nos seguintes aspectos: não realizava cálculos mentais; demonstrava possuir recursos intelectuais para realizar as tarefas de matemática, mas não os utilizava; realizava tarefas escolares, sem contudo dispor-se a refazê-las, no caso de estarem incorretas. Para facilitar o acompanhamento das condutas de J. P. optou-se por dividir suas respostas em etapas que permitem a percepção de seu crescimento tanto em relação às estratégias de resolução quanto aos conteúdos de matemática propriamente ditos. Os relatos dos jogos do bafo e da velha iniciam-se a partir da introdução de novos elementos e regras à sua estrutura convencional para o atendimento das dificuldades específicas de cada um dos sujeitos em foco.
Na fase inicial de desenvolvimento do jogo do bafo já com a introdução de conteúdos matemáticos J. P. se preocupava apenas em virar as figuras o mais precisamente possível sem se importar com a soma dos numerais presentes em cada uma das fichas. Ele parecia estar associando as fichas que utilizava neste jogo com as do jogo convencional, em que o valor de cada ficha era definido pela força de seu personagem. Ao poupar as fichas de maior valor - superiores a seis - demonstrava preocupação com a quantidade de cartas de que dispunha no jogo. Jogava o bafo seguindo os procedimentos do jogo convencional sem se dar conta das novas estratégias originadas da introdução de numerais nas fichas.
Em um segundo momento, J. P. começou a perceber que podia superar a terapeuta na sua agilidade de virar as fichas, mas ainda assim não era capaz de ganhar o jogo. Enquanto apostava fichas de valor baixo (1e2) a terapeuta apostava fichas de valor maior que as absorviam. Suas apostas baixas permitiam à terapeuta ganhar o jogo virando as fichas de maior valor em que havia apostado. Nesta etapa a soma de pontos de J. P. era sempre menor que a da terapeuta embora possuísse uma maior quantidade de fichas que ela.
O terceiro momento do jogo do bafo caracterizou-se pela percepção de J. P. de que a soma dos pontos de suas fichas o estava impedindo de ganhar o jogo. Começou então a jogar tentando alcançar a maior soma de pontos em cada virada. Para tanto, passou a apostar com suas fichas de maior valor. A cada partida examinava as fichas que possuía, verificava as que havia perdido e organizava uma estratégia capaz de promover o saldo negativo para a terapeuta.
No quarto e último momento de sua evolução no jogo J. P. passou a apostar o maior número de fichas possível e, de preferência, as de maior valor. Tornou-se capaz de levar em conta em sua estratégia de jogo as duas variáveis ao mesmo tempo: quantidade de fichas e valor de cada ficha apostada. A partir deste momento, preocupa-se em ganhar o máximo de fichas e, ao mesmo tempo, atingir a maior soma possível de pontos.
Para o desenvolvimento do jogo da velha escolheu-se o caso clínico de F. P. (denominação fictícia). A queixa escolar e familiar de seu desempenho concentrava-se nos seguintes pontos: não compreendia o significado dos sinais das quatro operações básicas; não se mostrava capaz de utilizar e compreender os algoritmos convencionais de adição e subtração; encontrava-se na fase inicial de construção do esquema multiplicativo e parecia ainda não ter avançado na construção do esquema aditivo; ainda utilizava algoritmos intuitivos e representação icônica tanto na adição quanto na subtração.
Da mesma forma que no caso anterior, o relato das estratégias envolvidas no jogo da velha se inicia a partir da introdução de elementos e regras relacionadas ao conteúdo matemático no qual o sujeito apresentava dificuldades de aprendizagem. Após esta aprendizagem novos materiais (algarismos) e regras foram introduzidos de acordo com as dificuldades de aprendizagem a serem atendidas no transcorrer do tratamento.
No primeiro momento de atuação com o jogo da velha F. P. mostrou levar em conta apenas os atributos espaciais do tabuleiro sem se ater ao outro atributo, indispensável para a vitória - a soma dos algarismos.
Durante esta fase fixava-se apenas uma das dimensões espaciais do jogo: a diagonal. Utilizava sempre a mesma seqüência de colocação de suas fichas sobre o tabuleiro. Costumava iniciar as partidas colocando suas fichas em primeiro lugar sobre o canto inferior esquerdo do tabuleiro, em seguida no centro, e, no final, no quadro central superior. Sua contagem mostrava-se truncada e sempre acompanhada pelos dedos das mãos. Neste momento, a organização de suas ações parecia não levar em consideração as estratégias utilizadas pelo adversário.
No segundo momento do uso do jogo da velha F. P. começou a organizar sua ação a partir da dimensão numérica do jogo, embora persistisse sua preferência pela dimensão espacial do tabuleiro. Manteve sua fixação em apenas uma de suas dimensões espaciais, a diagonal, e sua estratégia de jogo quanto à posição das fichas no tabuleiro, ainda sem levar em conta os movimentos do adversário. Em uma das partidas desta fase, acabou por ganhar o jogo, mas suas ações não se constituíram reações ou antecipações aos movimentos do adversário e, sim, a repetição de uma seqüência de passos previamente testados. Ainda nesta fase, a escolha das fichas a serem colocadas no tabuleiro foi aleatória, pois, ignorou a dimensão numérica do jogo. Ao vencer a partida não somente quanto à posição das fichas, mas também na contagem de seus pontos deu-se conta da importância do número da ficha utilizada em sua última jogada. Sua contagem continuou truncada e acompanhada dos dedos das mãos.
Na terceira fase do atendimento com uso do jogo da velha F. P. manifestou um grande avanço na elaboração e execução de suas estratégias de jogo. Passou a preocupar-se com as duas dimensões envolvidas no jogo: espacial e numérica e começou a perceber mais claramente as razões das vitórias consecutivas de seu adversário.
Apresentou uma pequena variação em sua estratégia de jogo. Iniciou uma das partidas desta fase do mesmo modo que as anteriores, mas acrescentou mais uma posição à sua finalização: o canto superior direito do tabuleiro. Sua opção por uma ou outra posição da ficha no final do jogo passa a depender dos movimentos do adversário.
Esta opção caracteriza-se como uma reação ao movimento do adversário e, portanto, posterior a este.
Nesta partida, em suas duas primeiras jogadas optou novamente por fichas com números baixos, mas ao final percebeu que, embora tenha vencido quanto à posição das fichas no tabuleiro perdeu em sua contagem de pontos. Deu-se conta de que a diferença de pontos obtidos na partida foi conseqüência das fichas escolhidas pelos dois jogadores. A partir daí passou a observar as quantidades presentes nas fichas utilizadas pelo terapeuta, bem como a seqüência em que foram jogadas. Sua contagem ainda permaneceu truncada e acompanhada dos dedos das mãos.
Na última etapa do jogo da velha F.P. modificou suas estratégias de jogo e passou a utilizar cartas com números maiores em pontos estratégicos do tabuleiro. As estratégias do adversário tornaram-se modelos de ação. Passou a utilizar fichas de maior valor desde as primeiras jogadas de cada partida e, ao mesmo tempo, a apresentar um maior conjunto de variações das posições das fichas no tabuleiro. As jogadas eram iniciadas e finalizadas em diferentes posições do tabuleiro, pois, a estratégia de jogo era organizada não somente como reação aos movimentos do adversário, mas também como antecipação a eles.
Em uma das partidas desta fase o sujeito iniciou o jogo no canto superior direito, seguiu para o canto superior esquerdo e previu a possibilidade de vencer fechando uma seqüência na lateral esquerda do tabuleiro. Para isto, ignorou a ficha colocada pelo adversário no quadro central do tabuleiro e jogou sua ficha na posição central esquerda e, logo após, venceu o jogo fechando uma seqüência no canto inferior esquerdo.
Ao vencer a partida confirmou sua previsão quanto à melhor estratégia adotada nesta situação.
Nos dois casos relatados os sujeitos modificaram suas estratégias de jogo tornando-as operatórias. As estratégias utilizadas no início do desenvolvimento dos dois jogos caracterizaram-se pela preocupação com apenas uma das variáveis envolvidas na atividade de cada vez.
Ao longo do processo de evolução de suas estratégias os sujeitos privilegiaram a cada momento apenas uma das dimensões do jogo. No jogo da velha, no primeiro e segundo momento, F. P. levou em conta apenas sua dimensão espacial para, no terceiro momento, priorizar sua dimensão numérica, e apenas no último momento, levar em conta as duas dimensões ao mesmo tempo. No jogo do bafo, no primeiro e segundo momento, J.P. levou em conta apenas a quantidade de fichas viradas para, no terceiro momento, priorizar a soma dos numerais contidos nas fichas, e apenas no último momento, levar em conta as duas dimensões ao mesmo tempo: quantidadede fichas apostadas e viradas e soma dos numerais contidos nas fichas.
Conclusões
Os resultados do experimento evidenciam os progressos obtidos pelos sujeitos submetidos à abordagem psicopedagógica dos conteúdos matemáticos e dos jogos convencionais escolhidos, bafo e jogo da velha.
Nos dois casos relatados, constatou-se evolução de suas estratégias de jogo e de seus conhecimentos sobre as operações de adição e subtração.
As estratégias iniciais dos dois jogadores demonstravam umaconduta indiferente aos elementos matemáticos introduzidos nos jogos e organizavam suas jogadas, conforme os procedimentos convencionalmente utilizados nos dois jogos.
No jogo do bafo J.P. preocupava-se apenas em virar as figuras o mais rápido possível, enquanto no jogo da velha F.P. fixava-se em uma das dimensões espaciais do tabuleiro, a diagonal.
Ao lidar com apenas uma das duas dimensões implicadas nos jogos os sujeitos evidenciaram uma conduta não operatória, embora a tivessem manifestado em outras situações1.
Em uma etapa posterior os dois jogadores passaram a levar em conta a dimensão numérica dos dois jogos abandonando temporariamente a dimensão espacial. A utilização da dimensão numérica nos jogos, embora de maneira restrita, sugere a manutenção de sua conduta não operatória.
A última etapa de evolução das estratégias de jogo dos sujeitos representou a utilização de diferentes variáveis contidas tanto na dimensão numérica dos jogos – no jogo do bafo quantidade de fichas, valor de cada uma e sua soma, e no jogo da velha o valor de cada ficha e sua soma, quanto em sua dimensão espacial – no jogo da velha a posição diagonal, horizontal e vertical das fichas.
Em provas piagetianas aplicadas aos dois sujeitos observou-se a manifestação do estágio de pensamento operatório concreto.
O novo comportamento introduzido nos dois jogos evidenciou uma conduta operatória nos procedimentos dos dois jogadores. Ao beneficiar-se de sua operatoriedade na organização das estratégias de jogo os sujeitos indicaram ter sido capazes de utilizar adequadamente seus recursos cognitivos. A ativação pertinente dos recursos cognitivos disponíveis em seu sistema cognitivo é um dos indicadores, segundo Perrenoud (1999), do desenvolvimento de competências por parte dos indivíduos.
Os progressos obtidos pelos dois jogadores ao longo do experimento demonstram a importância da abordagem psicopedagógica da matemática e dos jogos convencionais para a melhoria do desempenho dos sujeitos nas duas áreas. Além de modificar suas estratégias de jogo, os sujeitos modificaram suas estratégias de soma das quantidades contidas nas fichas de jogo e dos pontos obtidos nas partidas.
Ambos deixaram de realizar esta operação por meio da contagem dos dedos e passaram a efetuá-la por meio do cálculo mental. Tais resultados confirmam os obtidos em estudos anteriores por Brenelli (1996) e Calsa (2002).
Brenelli (1996) observou que a abordagem psicopedagógica dos jogos de regras favorece o desenvolvimento das estruturas cognitivas, pois, permite que o sujeito realize descentrações e coordenações de pontos de vista, bem como, o desencadeamento de regulações ativas no processo de escolha de procedimentos adequados ao alcance dos objetivos do jogo.
Em seu estudo, realizado com crianças de faixa etária equivalente ao deste relato, a autora constatou que ao modificar sua maneira de jogar a criança mostra que foi capaz de compensar as perturbações provocadas pelo jogo, na tentativa de se acomodar às suas exigências. Dessa perspectiva, podese afirmar que por meio do jogo o sujeito exercitou suas funções intelectuais de assimilação e acomodação, fatores, em parte, responsáveis pelo desenvolvimento cognitivo dos sujeitos.
Calsa (2002), em outro estudo com faixa etária equivalente ao desta pesquisa, concluiu que a abordagem psicopedagógica de conteúdos matemáticos é capaz de melhorar o desempenho de alunos com rendimento insatisfatório nesta matéria. Durante o processo de intervenção os alunos apresentaram um movimento de retomada de formas mais primitivas de resolução de tarefas para, ao longo do processo, chegar até formas mais avançadas e compatíveis com sua faixa etária.
Finalizando, é importante assinalar que os resultados da experiência relatada neste artigo mostram a importância de intervenções de caráter psicopedagógico para a modificação do modelo de aprendizagem dos indivíduos em situação terapêutica, e sugerem sua viabilidade em situação escolar para a melhoria da aprendizagem de seus alunos.
Referências
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